Ricardo saíra de casa num ápice, pegou na sua moto e foi directamente ao local onde o esperavam: o parque! Desde que o parque de diversões tinha fechado devido aos recentes acontecimentos, o local nunca mais foi o mesmo. Ricardo já ouvira falar nesse parque mas nem memória tem do que lá aconteceu. Também não se importava, ia finalmente receber o que esperava há 2 semanas e que não tinha por falta de dinheiro.
Enquanto isso António chegara a casa do trabalho, com ar de cansado.
-Ora boa tarde.
-Olá querido, boa tarde. Então como está? O trabalho correu bem? - Perguntava Rosália.
-Olhe, tudo na mesma. Isto está mau, muito mau. Esta crise, não deixa escapar ninguém.
-Ó querido tenha calma, vai ver que isto daqui a uns tempos volta tudo ao normal. É normal, estamos em crise, o pais está em crise, é normal que algumas empresas saiam prejudicadas. Mas duvido que uma imobiliária como onde você trabalha vá fechar tão cedo... Há olhe sabe da última? Fui às compras com a Emília.
-Fez bem querida, fez bem. Agora vou mas é deitar-me um bocadinho que estou estafado. - Disse dirigindo-se para o quarto e retirando a gravata do pescoço ao mesmo tempo.
-Ok querido, vá lá descansar que eu peço à empregada que prepare um chá para si... há pois, esqueci-me que ainda não temos empregada doméstica. Isto é inadmissível, inadmissível. Como é que uma pessoa pode estar sem uma empregada doméstica? Como? Bem... já que sendo assim vou colocar os candeeiros e os cortinados que comprei.
Sónia, estava em casa da amiga, sentada no sofá a ver televisão. À algumas semanas, a directora de turma ter-lhe-ia dado uns dias de descanso depois de ter notado em Sónia uma tristeza imensa, que não a deixava estar atenta nas aulas o que a colocava a chorar no meio das aulas e até dos testes. Sentada no sofá, pensava também no facto de a sua vida ter dado uma grande volta. Onde estava ela agora? Não interessava, pois não estava com Rui ao seu lado. Pela cabeça passavam-lhe coisas más e boas, um vasto de memórias preenchia agora o seu pensamento. Dezenas de coisas que tinham acontecido e que a tinha marcado de forma profunda tinham vindo à tona do seu pensamento. Até que parou. Todos os pensamentos, falas, choros que ecoavam pela sua cabeça calaram-se num silêncio aterrador que Sónia conseguia ouvir o seu próprio cérebro. Aquela relembrança das memórias significava claramente alguma coisa. Seria esperança? Esperança de Rui estar vivo?
Esperança que tudo aquilo fosse um pesadelo e um dia acordasse? Sónia estava agora confusa, o que havia de fazer? Seguir com a sua vida em frente, ou viver dia após dia com a tristeza a morar dentro de si e a fazer-lhe acreditar que Rui está morto e não voltará nunca?
Ambas as estradas tinham um destino, e era desse destino que Sónia tinha medo.
Ricardo chegara finalmente ao parque onde tinha combinado com um dos seus "amigos". Encostou-se ao muro e esperou. Até que chegou um rapaz com um aspecto estranho.
-Está aqui o que tu pediste. O dinheiro? - Perguntou.
-Fica descansado que o dinheiro está aqui, manda cumprimentos ao chefinho. - Respondeu Ricardo virando as costas e subindo para a mota.
Em casa de Rosália, esta procurava o filho:
Ricardo... Ricardo, filho... Ricardo... - Gritava Rosália.
-Deve ter saído! Este rapaz... Sai assim, sem mais nem menos e não diz nada a ninguém. Isto não pode continuar!
Ricardo que entretanto chegara a casa vira a mãe a falar sozinha.
-Então mãe, a falar sozinha? Veja lá não continue a beber whisky, porque senão... - Disse dirigindo-se para o quarto.
-Oh menino, pensa que está a falar com quem? Venha cá, venha cá que precisamos de conversar sobre um assunto muito importante.
-Agora não posso, tenho coisas mais importantes para fazer, os trabalhos de casa por exemplo.
-Este rapaz... a cada dia que passa percebo-o menos... enfim!
"-Filha, já te disse que hoje não posso ir ai a Lisboa. Eu sei que estás a atravessar uma fase difícil, mas neste momento o trabalho não me permite ir ter contigo... sim, eu vou no próximo fim-de-semana, ok... está combinado. Ok, agora tenho de desligar, adeus beijinhos. Adeus."
Rosália decide levar um chá a António que está no quarto a descansar, quando se depara com o marido ainda vestido, de pé e com o telefone na mão.
-Então querido, não ia descansar? Trouxe-lhe um chá de camomila que vai adorar. Beba enquanto está quentinho.
-Deixe ai em cima da mesa de cabeceira. Pois é tem razão, eu já devia estar a descansar, mas recebi um telefonema lá da empresa a avisar que amanhã, vai haver uma greve.
-Uma...um...uma greve? Como pode haver uma greve?
-Parece que alguns funcionários têm os salários atrasados e vão fazer uma greve.
-E o que é que o António tem a ver com isso? Têm-lhe pagado o salário não têm?
-Sim, a mim não me afecta, telefonaram-me foi para avisar que amanhã nem vale a pena por os pés na imobiliária. Vão fechar a empresa a cadeado.
-A cadeado? - Disse Rosália embasbacada.
-Mas isto agora é assim? Faz-se greve quando se quer, sem avisar ninguém? Mas olhe, até tem sorte porque eu amanhã não tenho nada para fazer. Que tal irmos dar um passeio?
-Um passeio onde? - Perguntou o marido, já com o pijama vestido e preparando-se para deitar.
-Que tal a Sintra? Damos uma voltinha, vemos a paisagem. Que tal?
-É boa ideia querida, agora vamos lá ver é se eu amanhã estou com disposição para isso.
-Bem, agora descanse lá um pouco querido, que eu vou um pouco à sala antes de me deitar.
Rosália, agora sentada no sofá da sala, pegava no comando e clicava no botão 4, ligando de imediato a televisão.
"Eu um dia ainda ei de descobrir quem matou o Padre António, e todos os outros."
Rosália sentada no sofá enquanto assistia a novela, pensava em quem seria afinal o culpado por tanta morte.
Sónia ainda permanecia em casa da sua amiga, no dia seguinte era outro dia de escola e já se preparava para deitar.
-Tens a certeza que ficas bem? - Perguntou Ana
-Sim, o quarto de hospedes é confortável, por isso não te preocupes que fico bem. Obrigado mais uma vez por me deixares ficar em tua casa.
-Ora, já disse que não é preciso agradecer. Boa noite.
-Boa noite. - Respondeu Sónia.
Sónia, agora ás escuras pensava em mais um dia que tinha passado. Mais um dia da sua vida perdido sem Rui ao seu lado. O que Sónia não tinha percebido é que Ana, permanecia imóvel, encostada à porta do seu quarto e que a olhava para fixamente pela fechadura.

